O princípio da Eficiência e a possibilidade de intervenção do judiciário no mérito do ato administrativo

Muito de discute acerca da intervenção do judiciário no mérito do ato administrativo. Contudo, a partir da Emenda Constitucional 19/98 que incluiu o Princípio da Eficiência Administrativa entre os princípios constitucionais da Administração Pública tal temática ganhou ainda mais força.

Isso porque, este princípio regulamentou o dever do Administrador em optar pela decisão ótima. Obrigou-o a escolher o melhor meio, para atingir o fim almejado. Por conseguinte, na tomada de decisão não bastará uma escolha legal e moral, se ela não for a mais eficiente e mais adequada ao caso concreto.

Mas o que seria uma decisão “mais adequada ao caso concreto”? Ora, estamos tratando de decisões administrativas cujo principal objetivo é o interesse público, o interesse dos administrados. O princípio da eficiência determinará então, que o Administrador opte pela decisão que atenda ao maior número de administrados e garanta o atendimento ao interesse público.

Um clássico exemplo de aplicação do princípio da eficiência administrativa está diante da tomada de decisão do Administrador: asfaltar a rua principal da cidade ou a rua de um bairro distante? Ambas as ruas precisam ser asfaltadas e em ambas as ruas temos o idêntico direito dos cidadãos. Contudo, a partir do princípio da eficiência a decisão de investir o dinheiro público deverá rimar pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.

Maria Sylvia Zanella di Pietro conceituou o princípio, com o seguinte entendimento:

“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”

Em que pese minha admiração pela escrita da referida autora, entendo que o princípio da eficiência trouxe muito mais ao ordenamento jurídico do que melhorar o desempenho do agente público, já que salvo melhor juízo, atuação eficiente deveria ser regra e não exceção. A meu ver através do princípio da eficiência abrimos caminho, ainda que tímido, para o controle do mérito administrativo.

Isso porque ao expressar como princípio a eficiência administrativa a Constituição Federal regulamentou também o controle sobre o poder decisório do administrador, ou seja, do ato discricionário. Se para garantir a eficiência o ato deve pautado na melhor escolha inevitavelmente o princípio plainará sobre o juízo de conveniência e oportunidade da decisão.

Lucia Vale de Figueiredo nos traz um conceito mais amplo sobre o princípio:

“Deveras, tal controle deverá ser exercido não apenas sobre a legalidade, mas também sobre a legitimidade e economicidade; portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao núcleo, dos atos praticados pela Administração Pública, para verificação se foram úteis o suficiente ao fim a que se preordenavam, se foram eficientes.”

Em que pese o entendimento majoritário de que o mérito do ato administrativo não está subordinado ao controle do Poder Judiciário, teoria essa também adotada pelo Superior Tribunal de Justiça que estabelece que ao Judiciário competirá analisar os motivos, a finalidade e a causa do ato administrativo, sem que configure uma invasão no mérito é inegável que diante do dever de decidir de forma eficiente abre-se o caminho para o controle jurisdicional. Toda e qualquer decisão para que seja considerada eficiente – e aqui entende-se aquela que diante das opções disponíveis se opte pela que melhor atenda ao interesse público – invariavelmente ultrapassará pelo mérito administrativo, pois é justamente nele que reside o poder de escolha da Administração.

Ademais, o princípio da eficiência reforçará ainda mais a atuação do Ministério Público. Isso porque, se levarmos em consideração sua função constitucional de zelar pelos direitos assegurados na Constituição poderá promover as medidas necessárias à garantia e ao zelo pelo resultado ótimo, excluindo a premissa simplória de “bom administrador” e fazendo valer a determinação de uma conduta legal, moral e sobretudo eficiente e desburocratizada que garantirá o cumprimento de políticas públicas para o maior número de administrados.

Nessa linha de entendimento temos o pensamento de Odete Medauar:

“O controle jurisdicional da Administração pública abrange a apreciação, efetuada pelo Poder Judiciário, sobre atos, processos e contratos administrativos, atividades, operações materiais e mesmo a omissão ou inércia da Administração. Em regra é posteriori, sendo repressivo ou corretivo, desencadeado por provocação.”

O próprio doutrinador Hely Lopes Meirelles afirmou que o Judiciário deve examinar o ato discricionário primeiramente para verificar se realmente o é e, em segundo lugar, para apurar se a dita discricionariedade não desbordou para o arbítrio.
Sob essa ótica e tímida teoria o judiciário poderá, então, sob a égide da Constituição Federal, estabelecer um controle jurisdicional abrangente do ato, seja ele vinculado ou discricionário, extrapolando as fronteiras da legalidade e, interferindo na decisão administrativa. Por intermédio do princípio da eficiência administrativa será permitido que o julgador analise se a tomada de decisão da Administração seguiu os princípios constitucionais da Administração Pública, dentre eles, o da eficiência. Se assim não for, deverá, de ofício, ordenar a anulação do ato.

Para amparar esse entendimento, embora ainda muito tênue, já temos decisões do Supremo Tribunal de Justiça cuja Relatora Ministra Laurita Vaz, adentra no mérito do ato administrativo fazendo valer os preceitos do princípio da eficiência.

“2. Nada impede que o Ministro da Justiça venha a requerer novos esclarecimentos da própria Comissão de Anistia ou consultar outros órgãos de assessoramento que estejam ao seu alcance para solucionar questões que envolvam aspectos de oportunidade (grifo nosso) ou certificar-se a respeito de possíveis divergências jurídicas.

3. Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, (grifo nosso) sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficiente para o cumprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da Justiça profira decisão final no Processo Administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte.

4. Ordem parcialmente concedida.”

Destarte, como podemos perceber o instituto do mérito administrativo, que durante anos se demonstrou blindado vem aos poucos sendo tangido por decisões ainda isoladas, porém muito coerentes e amparadas na Constituição Federal. Tais precedentes, no meu entendimento, conferem ao cidadão a segurança jurídica de que o juízo de conveniência e oportunidade da Administração na tomada de decisão, conferidos àqueles que muitas vezes elegemos para nos representar sejam pensados à luz dos princípios Constitucionais e em não sendo, que possamos ter a proteção do Poder Judiciário que restabelecerá a lei e a ordem em prol do atendimento dos anseios e necessidades dos Administrados.

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